

“Acho que está no imaginário das pessoas que morar fora tem todo aquele glamour, toda aquela vida boa, aquele poder de compra, de produtos baratos e de ganhar dinheiro. Então, acho que isso e o fato de não ter tanta violência, como no Brasil, são atrativos tão sedutores que também entraram na minha cabeça.”


Reprodução Instagram / @rayssafacanha



Será que vale mesmo a pena deixar para trás tudo que você conhece e se mudar para um país totalmente diferente? Para 55% dos brasileiros, que responderam à pesquisa “Branding Brasil" do IBGE em junho deste ano, a resposta é sim! O estudo divulgado em agosto de 2022 mostra que a maior parcela dos jovens entre 16 e 20 anos de nosso país mudaria para o exterior se pudesse.
Além disso, 44% dos que responderam disseram estarem insatisfeitos com a situação econômica do país e não enxergam um futuro promissor ficando no Brasil. Quem também pensa dessa forma é Ana Letícia Costa, 26 anos, de Fortaleza, Ceará. Formada em Letras-Italiano pela Universidade Federal do Ceará, a cearense acredita que morar fora está no imaginário da maioria dos brasileiros pelos motivos de maior poder de compra e maior segurança.
“Acho que está no imaginário das pessoas que morar fora tem todo aquele glamour, toda aquela vida boa, aquele poder de compra, de produtos baratos e de ganhar dinheiro. Então, acho que isso e o fato de não ter tanta violência, como no Brasil, são atrativos tão sedutores que também entraram na minha cabeça”, comenta.

Reprodução Instagram / @letirsia
Desde que se entende por gente, Letícia tem o sonho de se mudar para o exterior. Porém, existe um país específico com o qual ela se identifica: a Itália. “Desde pequena eu sempre quis morar na Itália, não sei porque exatamente, mas foi particularmente um país que me encantou sempre.” Apesar de não saber ao certo quando esse desejo surgiu, Letícia conta que é um sonho antigo. “Não é que eu queria morar na Europa, eu sempre tive especificamente a Itália como meu objetivo. Então a cultura, as músicas, a comida, tudo sempre me encantou”, completa.
Tudo que Letícia fez na vida pessoal e profissional era voltado ao objetivo de morar na Itália. Ela fez cursos de língua italiana, mergulhou na cultura através da internet, conheceu músicas e virou uma grande fã da culinária italiana. Aos 18 anos, entrou para a universidade de Letras com foco no italiano. E assim, Letícia se tornou fluente no idioma e passou a dar aulas também. Em 2019, aos 23, Letícia conseguiu realizar o primeiro grande passo para a realização do seu sonho, que foi conhecer a Itália.
Durante um mês, ela viajou pelas províncias italianas ao lado do namorado. Conheceu mais de 6 lugares diferentes e desfrutou de toda a cultura italiana que ela apenas antes só imaginava. A experiência só a deixou mais focada ainda no desejo de se mudar para lá. Mas com a pandemia de coronavírus em 2020, esse sonho teve que ser adiado.



Reprodução Instagram / @letirsia
Em abril deste ano, Letícia aplicou para o Mestrado de Excelência Acadêmica da Universidade de Milão, na Itália. Após tentar em anos anteriores sem sucesso, em 2022 veio a boa notícia: ela passou e, ainda melhor, com bolsa. Quando se deu conta, Letícia já estava com as malas prontas para o embarque. “Este ano resolvi aplicar sem esperar muita coisa. Apliquei e fui passando. Passei no mestrado, depois passei na bolsa. Aí depois tive a possibilidade de passar no alojamento e fui indo, indo. Quando eu vi, já estava no avião”, relembra.
A família da cearense a apoiou desde o início. Sua mãe, avó e tia maternas ajudaram tanto financeiramente quanto como rede de apoio. Com tudo pronto, ela embarcou em setembro. E após horas de viagem e muito cansaço, finalmente chegou. No entanto, no primeiro dia já veio o primeiro obstáculo. Ao desembarcar, ela não conseguiu conectar-se à internet para avisar aos familiares que chegou bem. Além de não ter o chip italiano, ao chegar na casa que iria ficar não foi possível usar a rede Wi-Fi.

“A minha experiência não foi muito positiva. Eu fui com expectativas muito altas. Cheguei lá e me frustrei porque a Itália é, sobretudo, um país muito burocrático, mais que o Brasil”, conta Letícia. Pelo fato de ter ido com visto de estudante, ela precisava ir em algumas instituições para providenciar documentos que a manteriam legalizada no país. “Então, eu ia para uma delegacia, passava duas horas esperando na fila e quando chegava minha vez, minha senha, o policial dizia que não era ali e me dava outro endereço e eu tinha que ir em outra delegacia. Daí, foi uma sucessão de acontecimentos ruins.”

Isso tudo a impactou tão negativamente que a deixou paralisada. Um exemplo foi o fato de que mesmo ela sendo fluente em italiano, a comunicação por diversas vezes travava. Ela conta que não conseguia nem apreciar as paisagens ou os monumentos que queria ver e completa: “Eu mal tirei fotos, por causa desses acontecimentos. Então, no geral, não foi uma experiência boa.”
Todos os dias, ela pensava em voltar para casa. O ponto decisivo foi quando descobriu que não foi aceita no processo seletivo do alojamento da universidade, onde pretendia ficar hospedada durante o período do mestrado. Então decidiu voltar para o Brasil: “Comprei a passagem e no dia seguinte voltei.”
Ao todo, Letícia ficou na Itália por 10 dias. Ela conta que a primeira vez que sorriu desde que chegou para morar foi quando comprou a passagem de volta. Ela também precisou dar início a um acompanhamento psicológico no qual continua até os dias de hoje.
Letícia agora integra outra estática: a de brasileiros que retornaram ao país de origem. Número que cresceu durante a pandemia. Mais de 6 mil brasileiros morando na Europa pediam ajuda para voltar ao país em 2020, segundo dados do relatório elaborado pelo grupo de acompanhamento criado pelo governo à época. Após a flexibilização da pandemia no mundo, os números de brasileiros saindo do país voltaram a crescer.

Quando compara as experiências de viagem e de ir para morar, Letícia afirma que é completamente diferente. Viajar sabendo que há data e local para voltar traz certa segurança. Diferentemente de ir para morar, ainda mais quando alguns pontos são incertos como a moradia, no caso de Letícia.
“A experiência foi totalmente diferente porque em 2019 eu fui para ‘turistar’, fui para fazer turismo e foi outra coisa. Passei um mês lá e foi tudo mil maravilhas. A diferença entre ir para morar e para passear é absurda. Pois como turista, você tem um ciclo fechado: uma data para ir e uma data para voltar. Tem os perrengues, mas você sabe que vai passar. É totalmente diferente.”
Apesar de tudo, ela não descarta a possibilidade de reviver esse sonho no futuro. Ela ainda tem o desejo de fazer mestrado na Itália, só que da próxima vez com muito mais planejamento. “Eu teria uma dica, um conselho que eu acho que é óbvio: se planejem. Se planejem financeiramente, eu estou falando de dinheiro mesmo, não estou falando só emocionalmente. Claro que seu emocional tem que estar ‘blindadíssimo’, mas o financeiro é o que eu mais aconselho”, finaliza.
A rotina de Rayssa morando na Alemanha é muito boa. Ela estuda de manhã e trabalha à tarde. Faz o curso online de alemão, tendo duas aulas de manhã e duas depois do trabalho. Ela viaja pouco, mas passa bastante tempo com sua rede de apoio, namorado e amigos que fez. E aconselha a quem pergunta sobre a experiência: “O conselho que dou é: se você tiver a oportunidade de fazer um intercâmbio, faça. Nem que seja pra limpar privada mesmo. O enriquecimento como ser humano, como adulto, o crescimento pessoal e como pessoa no mundo é indescritível. Eu só tenho a agradecer a essa oportunidade. Me vejo um ser humano melhor hoje em dia. Tenho zero arrependimentos. Todos os países têm suas questões boas e ruins. Não estou romantizando o processo. O fato de eu ter conseguido me virar já me transformou numa adulta melhor.”